terça-feira, 22 de novembro de 2011

OLHARES DE FORA PARA DENTRO

Artigo da autoria de José Maria Moniz, um Português que vive nos Estados Unidos, sobre a diferença como os Antigos Combatentes são tratados pela Pátria comparativamente com outros Países

A forma como os Antigos Combatentes da Guerra de Ultramar foram, e continuam a ser, tratados, continua a ser um triste retrato de Portugal. Note-se que não sou antigo combatente e nasci em 1968, pelo que, creio, ninguém me pode acusar de procurar vantagens com este assunto... A não ser o de sonhar com o respeito pelos filhos de Portugal e a decência para quem nos serviu e tudo deu.

Na verdade, considerando que esta Guerra, de 1961 a 1974, mobilizou cerca de um milhão de filhos, irmãos, maridos e pais de Portugal, que cerca de 9.000 perderam a vida a lutar por Portugal, que há um enorme número vivo a merecer reconhecimento e que há muitos, ainda, a sofrer as consequências de uma Guerra de Portugal, não posso deixar de pensar como estes homens (e mulheres) seriam tratados nos Estados Unidos (onde vivo), no Reino Unido ou em França (onde vivi). E Antigos Combatentes com deficiências permanentes (quer físicas ou psicológicas) contam-se mais de 15.000... Como não acarinhamos estes homens?
E, nem falo dos Portugueses Africanos que também serviram e que nem sequer entram para as estatísticas da Guerra do Ultramar como Portugueses... Homens e mulheres que serviram Portugal e que, por certo, ainda tiveram um fim violento por o terem feito (só na Guiné, estima-se que tenham sido assassinados sumariamente milhares de ex-combatentes - na ordem dos onze mil).

Uma das coisas mais limpas que existe nos Estados Unidos é o reconhecimento ao Antigo Combatente, que não é feito de forma belicista mas de forma respeitadora. As escolas visitam os monumentos, não para aprender as razões que levaram a lutar nem para conhecer o poder dos Estados Unidos mas, para reconhecer quem se sacrificou. As escolas e as famílias visitam os monumentos para perceber o impacto nas comunidades e nas vidas destes soldados que, mais do que tudo, eram pessoas. Quando os escuteiros colocam, todos os anos, um ramo em cada campa de um Antigo Combatente, em todos os cemitérios do país, não se promove política mas, isso sim, promove-se um simples agradecimento. No mesmo dia, a famílias inteiras vão aos cemitérios e até fazem piqueniques nos relvados das campas, para estarem em família, com todos. As crianças aprendem que as guerras custaram e custam caro e que houve boa gente que se sacrificou por elas, mesmo antes de terem nascido. Como diria um Antigo Combatente que muito estimo e respeito - “Só assim se pode incutir nos mais novos o sentimento de que pertencem a uma nação, com as suas vitórias e as suas derrotas, os seus momentos de glória e os seus períodos de desânimo. [...] Não se pode compreender um país se não se conhecer o seu passado, com tudo o que teve de bom e de menos bom. E neste aspecto, apesar da sua história ser curta, a América dá lições ao mundo, como ficou bem patente no modo como fizeram a catarse da guerra do Vietnam.”


Em Portugal tal é impensável. Nas escolas tudo é ignorado ou “revisto”. No dia a dia, o Português nem quer saber - os nossos heróis nem sequer são de louvar e, muito menos, para agradecer pois, dá trabalho e tira os olhos do umbigo. Não temos campas dos nossos soldados que morreram no Ultramar para visitar no dia 1 de Novembro e lembrar. Nem sequer um Código dos Inválidos, como o de 1929 pensado para os Combatentes da Primeira Grande Guerra, foi feito antes ou depois do 25 de Abril. Depois do 25 de Abril, falar do assunto garantia a classificação de “reaccionário” e, durante estes anos todos, o “Joaquim”, que não dorme, e o “António”, que não anda, esconderam-se nos quartos ou nos hospitais e não foram protegidos. Tal como eles, mais de 15.000 homens só puderam contar com o amor da família que, numa realidade diferente, tinha dificuldade em compreender o que passaram. Por fim, nem falo do que os sucessivos governos fizeram para não dar aos Antigos Combatentes benesses que, para mim e para os países civilizados, são básicas. E, até o monumento nacional aos Combatentes do Ultramar, em Lisboa, que foi construído por oito associações, não teve, sequer, uma comissão de honra que envolvesse os órgãos de soberania. Tal, porque o Presidente da República da altura, Dr. Mário Soares, recusou fazer parte de tal “porque era contra a Guerra de Ultramar” (!!!)... Como se os Antigos Combatentes tivessem culpa da Guerra e, claro, não lhes sendo reconhecido o serviço prestado a Portugal.


Reconheço que há melhorias: há mais homenagens, monumentos, livros não políticos e programas de televisão (a RTP tem vindo a fazer várias séries com o Joaquim Furtado) que permitem que os mais novos saibam o que se passou e se lembre o Combatente per se. Todavia, só no ano passado os Antigos Combatentes puderam desfilar no 10 de Junho, em Faro, pela primeira vez (“só” esperaram 36 anos)... Enfim, não chega. Há que fazer um mea culpa generalizado pela forma como os Antigos Combatentes foram e são tratados. Seria óptimo o nosso Estado liderar tal esforço (dado que foi o maior interessado nos serviços prestados) mas, já aprendemos, nunca o vai fazer. Por isso, tem que ser a população a fazê-lo.

Acho que, mais do que os Governos Portugueses podem fazer por quem os serviu - pois nos últimos 100 anos os Governos Portugueses não cuidaram dos seus e de quem os serviu (espero ter demonstrado) – interessa o que nós, Portugueses, podemos fazer para honrar o melhor do nosso País, que são os Antigos Combatentes.


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